martedì 23 maggio 2017

Foz de Iguassu - Salto Ozorio - 1973 - primeira parte

XIV
Arriscar a vida, a integridade física:
o motivo é justo? É sua obrigação?
As respostas são imprecisas, dúbias,
olhares covardes se baixam,
ela sorri, conhece o homem com quem se acasalou,
sabe que é destemido, nada teme,
coragem ele tem de sobra,
é seu macho, o último dos mohicanos.

Nas obras de grande envergadura, a estrutura de apoio é excelente:
acampamento para operários solteiros, casas para os casados, casas para os
engenheiros, hospital, supermercado, igreja, clube, escritórios bem montados,
hotel e casa de hóspedes. Na construção da Hidrelétrica de Salto Ozório, que
eu dirigia, o modelo era esse. Cinco mil operários trabalhavam em dois turnos,
tudo perfeito, tudo sob controle, tudo no prazo, nenhum problema. Às vezes
minha mulher visitava-me, vindo do Rio e, regularmente, de mês em mês,
vinha um diretor da sede para inspecionar.
Naquele dia todos estavam ali, todos jantando na casa de hóspedes. Houve um
incidente durante a tarde, um operário fora morto pela milícia particular
contratada pela dona da obra, a Eletrosul. Eu rezava para que não houvesse
desdobramento. Ilusão, operário é rude, solidário, haveria tumulto e,
consciente disso, eu me entendera com o comando da milícia, para que seus
subordinados se mantivessem calmos e cautelosos. O acordo fora aceito.
Durante o jantar um dos encarregados surgiu esbaforido, veio comunicar um
tumulto no acampamento dos solteiros, que a milícia invadira distribuindo
pancada a torto e direito. Pediu ajuda. O pepino era meu, os dois visitantes do
Rio fingiram-se de mortos, minha mulher olhou-me, não disse palavra para
impedir minha ação, havia perigo, que mulher extraordinária. Saí com o
encarregado na caminhonete e dirigi-me à praça de guerra.
O ronco do motor irritava meus ouvidos, o veículo balançava com violência,
minhas costas doíam, o pessoal da oficina nunca obedecia, ponham menos
pressão nos pneus, eu recomendava, nada feito, em obra o que mais eu ouvia
era sim senhor, ainda não descobrira se era burrice, teimosia ou indisciplina,
mas isso agora pouco importava, sim senhor, sim senhor, era o que queria
ouvir daqui a instantes, Deus faça-os obedecerem, rezava. Sim senhor, sim
senhor, era o que eu balbuciava. A lembrança da manhã veio à minha mente,
minha mulher pouco me visitava e logo hoje essa bagunça. O frio que entrava
pelas frestas da casa de madeira fez-me estremecer, detestava o frio, de pé
olhei para ela, fizera uma viagem de vinte horas para me encontrar, era um
bocado de chão do Rio até à beira do rio Iguaçu, acariciei seus cabelos,
olhando o ligeiro sorriso no seu rosto, como posso retribuir tamanho amor,
como pude abandonar os meninos, a brisa e o mar, a estética urbana do meu
Rio, como... Sabia que esses momentos sombrios não me largariam pelo resto
do dia, não haveria maneira de livrar-me deles. A zoeira das perfuratrizes
trouxe-me à realidade, vesti a calça jeans, camisa e japona, calcei as botas
surradas, elas acompanhavam-me há anos, o meu capacete também, o tipo de
vida que eu levava fizera-me supersticioso, uma última olhada nela, fechei a
porta com cuidado, entrei no fusca, acionei o motor, as gralhas pousadas na
cerca levantaram vôo e sumiram no meio dos pinheiros. O céu azul, muito
azul, desprovido de cortina poluidora, machucou-me a vista, coloquei o Ray
Ban, o ar puro penetrou nos pulmões, tossi, acendi um cigarro, o estômago
doeu, peguei o rumo da cantina, uma data projetou-se em minha mente. 12 de
abril, o rio estaria na sua cota mais baixa, a segunda fase do desvio a ser
executada, eu, o poder absoluto, faria acontecer, eu, o poder máximo,
comandava cinco mil operários, eu, o mágico, dispunha de milhões de dólares
em equipamento, eu... Minhas mãos crisparam-se no volante, a respiração
ofegante fez-me jogar o cigarro pela janela, naquele preciso instante a
sensação de felicidade envolveu-me com irresistível doçura.
— Quase chegando, doutor — escutei. As palavras do motorista
irritaram-me, já fizera cem, mil vezes esse caminho, duas três vezes por dia,
uma eternidade, da residência ao canteiro da obra. Ao longe a visão noturna
assustadora, dezenas de luzes piscando em meio à bruma do vale. Poeira? Não
dava para distinguir, o martelar das perfuratrizes penetrava nos ouvidos, o
ronco entrecortado dos scrapers e tratores completava a harmonia, com
certeza, foi nesses sons que Schomberg se inspirou ao compor suas
dissonantes sinfonias, ou talvez Thelonious usou-os nas suas peças
jazzísticas, comecei a rir, diletante das artes, o pessoal zombava, não me
incomodava, até gostava, a todo o momento eu citava escritores,
compositores, diretores de cinema, era o modo que dispunha para espantar a
reclusão.
— Que foi, doutor? Como explicar que deixara para trás centenas de CDs,
estantes cheias de livros, dezenas de vídeos e viera isolar-me neste fim de
mundo? Não saberia como. Para alguém entender, teria que desvendar meu
passado, o passado estava longe, enterrado num país balcânico, na herança
bíblica iniciada com o êxodo do Egito, oculto no peso atávico irremovível,
escondido na sabedoria da Torah, meu pai, meu pai, você não me libertou,
impôs-me a sua autoridade. O dilema na minha alma de engenheiro errante e
de meus reais anseios ainda perdura, pergunto-me se não cometi uma tolice
ao lhe obedecer, a hipocondria que atola meu ser é insuportável, sinto-me
acabado, meu sistema nervoso não foi feito para essa quantidade de afecções
deprimentes, pouco estéticas, perco-me em mim mesmo, tateio atrás de mim
mesmo, um cão atrás do próprio rabo...
—Doutor, como vai acabar essa bagunça? A lembrança da manhã continuava
ainda. Senti a boca seca, depois de dezenas de cigarros perdera o paladar,
meus dentes se atritavam ao pó de pedra misturado à saliva, a estrutura da
barragem despontava ameaçadora de dentro da rocha escavada, o ritmo
incansável da concretagem, o som metálico dos vibradores, o vaivém dos
scrapers na jazida, os tratores empurrando blocos de pedra, tudo pulsava ao
redor, do fundo do canal de fuga sentia-me todo poderoso, tinha certeza, 12 de
abril, 12 de abril...
— Doutor! — o encarregado interrompeu o devaneio — os meganha
fuzilaram um dos nossos no acampamento. Eu tremia dentro da japona, o frio,
o medo e a incerteza deixaram-me febril, minha existência, eterno desafio, não
desafiou o seu pai e agora você quer se redimir, repetia sem cessar uma voz
interior, infantilidade, você é maluco, quer atos heróicos, um possuído pela
síndrome da auto-afirmação...
— Doutor, estamos quase chegando. As luzes do acampamento surgiram à
frente, o vidro embaçado tornava fantasmagórica a visão, estremeci, o gulag
está próximo, homens sem futuro e com passado duvidoso ali residiam,
amontoados em quartos com beliches, sem lazer, sem mulher, homens que
pegavam no pesado, e recebiam salário mínimo como recompensa, no entanto,
eram o coração da obra, eu os entendia, mas nada fizera para mudar o statu
quo, seguia as regras, eu também lutava pela sobrevivência, Deus meu, qual
era o mal da embriaguez, a bebida é refúgio, anestésico do desespero, visão
fugidia do nirvana, Deus, Deus, onde está Vossa misericórdia, mataram uma
das Vossas ovelhas...
— Doutor, olha o fogo, tocaram fogo. Mais lembranças do dia. O tenente da
milícia recebeu-me cortês, senta doutor, permaneci de pé, o relato verbal foi
sucinto, o elemento não obedeceu à ordem de parar, avançou
ameaçadoramente em direção ao praça, este não teve alternativa e atirou,
infelizmente, ocasionou a morte do elemento, mas, tenente, um embriagado?
Seria fácil subjugá-lo, doutor, temos que impor a ordem, despediu-se seco.
Consegui a promessa da milícia de permanecer no quartel nas próximas vinte
e quatro horas, o confronto tinha que ser evitado.


7 commenti:

Rui Pires - Olhar d'Ouro ha detto...

Gostava de conhecer a foz do Iguaçu. Tenho uma irmã casada com um brasileiro que já lá foi umas duas ou 3 vezes.
1973... o ano em que nasci!

myra ha detto...

meu irmao era oengenheiro encarregado de fazer a Hidroekectrica! e se voce leu vai ver que nao foi facil, amanha a ultima parte!

um abraco!

Li Ferreira Nhan ha detto...

Que cotidiano! Que história!!!!

myra ha detto...

sim, Li! agora vou colocar a segunda parte... voce vai ver...
beijo

João Menéres ha detto...

Há no texto uma expressão nova para mim :
" um
bocado de chão do Rio até à beira do rio Iguaçu
.
Conhecia ( e uso de quando em quando, MUITA TERRA PARA PISAR.
E conheço a Foz do Iguassu...

Um beijo amigo, Myra.

myra ha detto...

Joao, voce e um grande amigo...voce teria sido muito amigo de meu irmao!
beijossssssssssssssssssssssssssss

João Menéres ha detto...

Por certo, Myra !