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REPOUSO
Nasci na era
do bonde puxado a cavalo,
do lampião a gás,
dos bulevares arborizados,
em casa majestosa,
pela mão de parteira,
sob o olhar severo do rabino.
Amamentado por robusta camponesa,
no meu sangue semita correm
campos de trigo,
pastos floridos,
florestas seculares,
picos nevados.
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Renasci num país
de paisagens marinhas,
com palmeiras e sabiás,
à minha alma sombria,
seu feminino encanto
prometeu vida.
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Abusei da paciência divina,
que seja vagaroso meu destino,
quero fluir
preguiçoso como o rio mar,
esquecer-me
dos picos nevados,
das duas existências.
Aqui repouso.
ERA UMA VEZ
Meus doze anos, calças curtas,
pele luminosa, seda do oriente,
olhos castanhos, cerejas maduras,
perfume de macieira, inocência.
Como a mãe em vigília,
dias escorrem em silêncio,
a grama por onde ando
esconde meus passos,
estrelas longe do meu alcance,
visões, idéias e pensamentos
em minha mente flutuam,
mão do destino guia.
Lendas de reis e princesas,
Excalibur e a Dama do Lago,
abrem as portas da casa escura,
flautas e oboés, Puck dança,
flores surgem da terra,
visão floresce,
ela deitada ao meu lado, encanto
Meu rosto vincado,
mapa do meu passado,
vida de longo caminho,
já fui criança,
mãe, me abraça.
CAMPONESA
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Ao pé da foto palavras húngaras,
foi tirada na Transilvânia, acredito,
vestimenta de camponesa,
pena não ser colorida,
não deixar ver a delicadeza dos bordados,
o esplendor dos fios dourados.
Na aldeia violino, violão de três cordas e rabeca
animavam a festa. Incendiaram a dança?
Três passos para a esquerda,
três para a direita e o giro rápido,
você fez coro com os participantes?
São cantos de celebração da vida,
ritos de fertilidade, você assimilou-os.
De você nasci, rude e forte como um camponês
da Transilvânia.
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Elena Landau, Bucareste, 1922
SANTA
Estranho pensar em você agora
que partiu quando eu estava longe
e voltei para enterrá-la
e não senti remorso
por não revê-la ainda em vida
Estranho pensar em você agora
quando meu fim se aproxima
e nunca ter sentido saudades suas
em toda minha vida
Estranho pensar em você agora
e na minha infância
e você linda e cheia de vida
não saía do meu lado
Estranho pensar em você agora
quando eu calvo, barrigudo, cansado
ainda me vigiava, olhar atento,
sua eterna criança
Estranho pensar em você agora
já envelhecida e tão generosa
que amava aquela mulher
que roubou seu garoto amado
Estranho pensar em você agora
por vezes rechaçada,
pouco compreendida,
por quem vivia ao seu lado
e apenas sorria sem paciência.
Estranho pensar em você agora
que sonhou através da existência
e comprava fantasias
nas cartomantes e falsas ciganas
Estranho pensar em você agora
que escapava dos pesadelos
com sonhos emprestados das drogas
escondidas na bolsa por você vigiada
com ferocidade
Estranho pensar em você agora
quando mergulhada na inconsciência
e sorria, apenas reflexo diziam,
eram visões, profecias, sonhos, milagres,
adorações, iluminações, êxtases,
era o mundo que você merecia
Santa piedosa, brilhante, inteligente,
Santa minha mãe
Você amou tanto a Vida!