mercoledì 31 maggio 2017
DEDICATORIA - LIvro Eu Vi -
Dedico este livro à minha irmã Myra, mulher corajosa e valente, culta e errante. Do Rio de Janeiro, onde viveu com a família e onde nasceu sua filha Dominique, mudou-se para o México e ali desenvolveu e maturou sua maior arte: a pintura. Expôs em muitas galerias, ganhou muitos louros. Irrequieta, viveu algum tempo em Paris, Amsterdã e depositou seu cansaço em Roma. Viajou por cantos que eu gostaria de ter ido, Israel e China. É poliglota e profunda conhecedora do idioma francês. Escreve poemas, a meu ver com muito talento, é só conferir, ler e meditar. Transcrevo alguns deles aqui, com muito amor e carinho.
Beijos, Myra querida.
POEMAS DA MINHA IRMÃ, MYRA LANDAU
1
Et soudain un mouvement
Impitoyable impétueux
M'innonde
Moi — sans identité —
aurais — je besoin d'un dentier?
Quelle pitoyable image, hélas —
Il me semble que je suis à court d'idées…
Mais continuons
Privée de sens
Fatiguée
Pressée d'en finir
Elle divague
Arrivera-t-elle la vague dévastatrice
Avec laquelle
Sur laquelle
Devant laquelle
Trouvera-t-elle
Le don autant cherché
Jamais trouvé
L'intense recherche d'dentité
Pas encore trouvée
Mais ceci
Nous ont tout permis
Liberté anarchie
Et cependant aujourd'hui
Celles-ci apparaissent jaunies
Comme de vieilles photos de famille
Ces rimes trop faciles me plongent
Dans ma réalité
La nôtre
C'est toujours elle et moi
Elle se demande — et moi avec —
A quel horizon appartiennent — elles…
Elle décide de ne plus se réveiller.
2
Le tout s'évade
guet — apens permis
Partout
Alerte
Observe l'écart du temps
Attrappe les heures au vol
Trop rapide déjà
Reste au guêt — quand même —
Si tu peux si tu veux
Je crois que t'as plus rien à faire
Et t'en qu'à faire
Tu ferais mieux de te taire
Ici sur la terre…
3
Elle et moi — toujours —
Nous seules
Au beau milieu
De ce désert
Monde devenu immonde
— je me demande —
— elle se pose la question
Inutile d'ailleurs
N'était-il pas toujours comme cela?
Oui, je lui réponds
Alors a quoi bon continuer
À quoi sert-il de se plaindre
Vaut mieux rester pendues
A cet arbre triste et gris
Aigri par le froid
Maigri par le vent
Raidi par la solitude
Allez restons là
Pendues comme ces quelques feuilles
Qui encore s'attachent éperdues
A ses branches
Faut pas désesperer
Funambules fantômes feu-follets
Nous et les feuilles
On déchire l'air ensemble
Et
Ensemble on prends le dernier vol
4
La vieillesse s'annonce petit à petit come une migraine
L'âge s'en va petit à petit comme cette migraine
Il ne reste que des demis graines
De vie
Pas se plaindre
Ne rien craindre
La mémoire est là
La lucidité n'est point feinte
La vie est encore toujours à tes côtés
Peut-être un peu caché par l'ombre
Des années
Belles années toutes si bien vécues…
Alors continue
les migraines finiront bien par s'en aller
5
Vide et rien
D'accord...
Mais dans le soc
De ma vie
Sur le socle
De ces longues années — vides —
Et rien...
Un as dans mes mains:
Je peins.
martedì 30 maggio 2017
EMILIO CARBALLIDO - dramaturgo - fala de mim:
Abrir o cerrar el campo de trabajo es una de las definiciones mas curiosmente graves que puede hacer un artista.Abrirlo:caben las galaxias, las ultrametafisica, el tiempo y el espacio, el campo, las visiones trascendentes...El macrocosmos y sus subterraneos, para ser breve.
Cerrarlo: vamos a la celula, al atomo, a lo primordial. Donde habia arvoles se vuelve cruzadero de lineas, donde habia un paisaje queda un diseno geometrico. Vamos a lo esencial,al fondo. El microcosmos y sus subterraneos. Dejamos de ver lo superficial, encontramos las esencias: relaciones, conexiones, ritmos. La belleza tiene su secreto en un equilibrio de encuentros estructurales, en lo casual de los trazos, en las oposiciones y divergencias puras sin otra meta que ellas mismas.
Myra landau es essencial. Hija o nieta de Klee, Kandinsky, configura un universo limpido y exacto pero arbitrario; colores,choques de rayas,cuadriculas purisimas y golpes de luz y de sombra, son creados con exquisita finura; proporciones minimas con un maximo de efectividad.
Vemos repetidamente lo mismo:lineas que se cruzam, colores que llenan huecos. PERO : hay panoramas inarmonicos, angustiosos, violentos. Los hay liricos como odas o mas complejos y gongorinos; los hay conflictivos. Los hay panfletarios, de protesta, de denuncia.
La expresividad de los elementos que maneja Myra es tan amplia como si pintaras desnudos, paisajes, planos arquitectonicos, y es que ESO pinta, pero reducidos a su condicion-esencial, purisima, de proporciones que se encuentran y se desencuentran y se tensan, electrizan, agriden,sensualizan...
Quiero decir que Myra es una pintora de esencias reduzidas a la pureza. Una pintora delirante y apasionada que se retrata en cada rasgo de su obra.
Su curriculum:gitana-rumano-brasilena-mexicana, mujer bella y artista loca, fuerza desatada de la naturaleza.
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hoje entro eu....
lunedì 29 maggio 2017
DESESPEROS - de Iosif Landau
I
a alma se desespera
suicidio o remedio
ate breve
II
escrevo
venco a solidao
dialogo comigo mesmo...
no fim
barcos de papel
III
estou numa luta
quem e o inimigo?
tudo indica
que serei vencido:
brigo
nao sereidestruido
importa?
IV
o dia beleza
a noite tristeza
no quarto de hotel
quem inventou a solidao?
V
sacola arrumada
passagem no bolso
na carteira foto deles
dela
Inicio a viagem
que fardo!
Voltarei?
domenica 28 maggio 2017
LOUCURA - poema de Iosif Landau
carrego uma cruz de pedra
debil idoso sou
o trabalho sempre detestei
amo sorrir para o mar
mas nao estou contente
invoco os filhos os netos
tios tias primos bisnetos
nao sou louco
nao me julguem
reconheco
desequilibrio emocional
talvez seja
por ler e meditar
improvisando poesia e prosa
vivo num mundo imaginario
meus sonhos mais felizes
afastam os tolos
em fogo que se esvairem
procuro a imagem
de um mundo bom encantado
onde
o touro e a virgem
a crianca e a prostituta
vivam contentes
loucura
asas da ilusao?
que importa
HADES me levara
minhas asas queimara
sabato 27 maggio 2017
poema curto - Iosif Landau e outro que poderia ter sido meu !
Sou
minha alma se esconde
reminiscencias!
meu destino
tristeza de nao sermos dois!
em torno aos meus sentidos
vacuos!
louco, nao enlouqueco
sou mas nunca fui
falhei!
Aqui\
aportei nessa terra
fugido de pesadelo/
Aqui sonhei - casei -
criei familia
fiz amizades:trasladei seu chao
naveguei seus rios
voei seus ceus
mergulhei nos seus mares
Cerro os olhos
procuro minhas raizes
em vao
tudo vago - esquivo -
judeu errante
Abro os olhos
na parede emoldurado
decreto da nova nacionalidade
no ceu escuro
o Cruzeiro do Sul
minha alma se esconde
reminiscencias!
meu destino
tristeza de nao sermos dois!
em torno aos meus sentidos
vacuos!
louco, nao enlouqueco
sou mas nunca fui
falhei!
Aqui\
aportei nessa terra
fugido de pesadelo/
Aqui sonhei - casei -
criei familia
fiz amizades:trasladei seu chao
naveguei seus rios
voei seus ceus
mergulhei nos seus mares
Cerro os olhos
procuro minhas raizes
em vao
tudo vago - esquivo -
judeu errante
Abro os olhos
na parede emoldurado
decreto da nova nacionalidade
no ceu escuro
o Cruzeiro do Sul
venerdì 26 maggio 2017
LUIZ - meu sobrinho
caminhamos pela beira da praia no final da tarde
o sol se punha nas Tijucas
me sentei num monticulo de areia
ele ao meu lado
a bola no horizonte cor de Van Gogh.
na areia morna pensavamos os mesmos pensamentos
um lampejo de claridade ao seu nascer nos deu
a mesma alma,
longe a esfera de fogo queimava
- me de um cigarro -
a agua azul apagado refletia o rubro ceu
o sol naufragava entre os cumes do horizonte
na praia so nos dois
meus olhos embacados, os dele funda lagoa
- veja o sol ele brilha sobre tudo que temos
nossa eternidade pestaneja com ele no horizonte
o ceu e o oceano, velho, erguei-te,
somos filhos do sol almas identicas
filho somos a mesma pessoa
olho nos seus olhos e falo comigo mesmo, o,
minha alma, como te amo,
essa minha roupagem empoeirada
essa minha pele queimada na face
esse meu olhar de negro desespero
essa fuligem humana ao teu lado sentada,
chorou quando voce nasceu
- me de mais um cigarro -
velho, olha, o sol banhado como brilha,
seus pensamentos retorcidos,
entranhas e visceras doidas,
olhos empoeirados,
para mim sao flores de sua louca coroa dourada
flores? quando foi que esqueci que eu era uma flor ?
quantas moscas zumbiram ao meu redor
quando minha alma ainda era flor ? pobre flor morta
- velho, te vejo postado a minha frente,
dirija seu olhar ao sol poente
respira a brisa
voce nunca foi fuligem
velho, me escuta, flores ao sol,
na luz da noite nunca fenecem,
num sonho as reguei para voce as amar
eu, talvez ja esteja tao velho quanto o universo,
isso nao e bom, ouco as lamurias dos incinerados,
ah! ofereco - me em sacrificio,
me deixaram de fora,
eles repousam onde o sol e cinzento,
estao sos na sua gloria
nada floresce em cinzas
- velho, nada de sofrimento para voce,
so alegrias, sinta a docura ao redor,
o ultimo momento do por do sol,
velho, vem, me acompanha,
ainda tenho muito a te falar
Filho, receba esse salmo vindo de mim,
o sopro de vida jorrado de mim,
alguma coisa de meu passado,
minha ultima transformacao,
sejas louvado.
- velho, toma , e meu ultimo cigarro!
ultima parte - Foz de Iguassu - 1973 -
Ouvi tosses, ouvi risadas, o
homem à minha frente parecia divertir-se, coloquei a mão sobre a arma apontada, por favor, tenente, o suor escorregou da nuca dentro da camisa, isso não é jogo de pôquer, seu idiota, pensei, nem um romance de Paul Auster, lá vou eu com essa mania, minha mente invocou Deus e o Demônio, os ruídos longínquos da obra não são trombetas dos santos alados, desista, ninguém liga para essa baboseira, senti-me um tolo, apertei os dedos, a mão armada cedeu,
virei o rosto, deu tempo ao tenente para guardar o revólver. —
Tenente, mais um favor, manda seu pessoal baixar os mosquetes. O cerco dos homens cada vez mais próximo sufocava-me, o odor de suor e cachaça entrou pelas minhas narinas, senti ânsias de vômito. — Tenente, obrigado, agora dê ordem de meia volta, volver. Pés arrastaram-se sobre pedriscos, o odor de suor e cachaça mais
próximo. — Tenente, o pessoal tá cercando. Sim senhor, sim senhor, voz solitária, depois mais outras, todos em coro, tive vontade de gritar "Parem! Parem! Não agridam!". Mas permaneci calado, imóvel, sabia que a exclamação coral não passava de deboche jocoso dirigido a mim, sorri, ainda vou levar a melhor. Olhei o relógio, duas da madrugada, faltavam cinco horas
para a mudança de turno, escutei a ordem dada pelo tenente, vi a tropa retirarse em silêncio pelo corredor humano aberto no meio dos operários, esperei o último meganha sumir na noite, coloquei um cigarro entre os lábios, apaguei a chama do isqueiro, chamei um dos encarregados: — Junta o pessoal! — Sim senhor. — Todos pra revezar o turno da noite! — Mas, doutor, se me permite... O movimento da minha mão calou-o. — Todos! — Sim senhor!
Joguei o cigarro aceso no chão, apaguei-o com a bota, fora um aperto, mas tudo estava resolvido. Voltei à casa de hóspedes, ela e os outros me aguardavam. — Como foi? Ouvi, não respondi. Peguei minha mulher e fui para a minha choupana.
Orgulho-me para sempre desta noite, foi em 1973.
Paul Auster um dos escritores preferidos de Iosif.
homem à minha frente parecia divertir-se, coloquei a mão sobre a arma apontada, por favor, tenente, o suor escorregou da nuca dentro da camisa, isso não é jogo de pôquer, seu idiota, pensei, nem um romance de Paul Auster, lá vou eu com essa mania, minha mente invocou Deus e o Demônio, os ruídos longínquos da obra não são trombetas dos santos alados, desista, ninguém liga para essa baboseira, senti-me um tolo, apertei os dedos, a mão armada cedeu,
virei o rosto, deu tempo ao tenente para guardar o revólver. —
Tenente, mais um favor, manda seu pessoal baixar os mosquetes. O cerco dos homens cada vez mais próximo sufocava-me, o odor de suor e cachaça entrou pelas minhas narinas, senti ânsias de vômito. — Tenente, obrigado, agora dê ordem de meia volta, volver. Pés arrastaram-se sobre pedriscos, o odor de suor e cachaça mais
próximo. — Tenente, o pessoal tá cercando. Sim senhor, sim senhor, voz solitária, depois mais outras, todos em coro, tive vontade de gritar "Parem! Parem! Não agridam!". Mas permaneci calado, imóvel, sabia que a exclamação coral não passava de deboche jocoso dirigido a mim, sorri, ainda vou levar a melhor. Olhei o relógio, duas da madrugada, faltavam cinco horas
para a mudança de turno, escutei a ordem dada pelo tenente, vi a tropa retirarse em silêncio pelo corredor humano aberto no meio dos operários, esperei o último meganha sumir na noite, coloquei um cigarro entre os lábios, apaguei a chama do isqueiro, chamei um dos encarregados: — Junta o pessoal! — Sim senhor. — Todos pra revezar o turno da noite! — Mas, doutor, se me permite... O movimento da minha mão calou-o. — Todos! — Sim senhor!
Joguei o cigarro aceso no chão, apaguei-o com a bota, fora um aperto, mas tudo estava resolvido. Voltei à casa de hóspedes, ela e os outros me aguardavam. — Como foi? Ouvi, não respondi. Peguei minha mulher e fui para a minha choupana.
Orgulho-me para sempre desta noite, foi em 1973.
Paul Auster um dos escritores preferidos de Iosif.
mercoledì 24 maggio 2017
FOZ DE IGUASSU - segunda parte de 1973
A caminhonete atravessou o portão, parou no pátio, saltei. Sete Léguas, o
baixinho, espécie de mascote, puxou-me pela manga, doutor, socorro, vi o
sangue escorrer pela sua face, olhei ao redor, rostos amedrontados fitavamme,
doutor, eles bateram em nós, nós dormindo, nós que tavam no chuveiro,
na casinha, em todos, todos...
Vidros estilhaçados, portas arrombadas, um vaso de louça partido, a luz morna
dos postes envolta em fumaça confundia as sombras, levem os feridos para o
hospital e apaguem o fogo, ordenei, não ouvi o sim senhor, aproximei-me do
destacamento, mosquetes em posição de tiro, o tenente à frente de arma em
punho...
— Fizeram arruaça, doutor, rece... Quis voltar ao passado, mas qual dele?
Tinha tantos... Voltar à dolce vita do English school, ao verão na Côte d'Azur,
aos tempos do bombardeio da Luftwaffe sobre Londres, ao pecaminoso prazer
de Copacabana, voltar às polpudas per diem do pai, às perdidas amizades do
clube de remo, ao exílio imposto no interior de Minas, mas só a lembrança da
falência material da família me perseguia. Voltar é sempre ruim, o caminho
através da porta da mente é doloroso, teria que viver mais vinte, trinta anos,
para que eu pudesse saber quem eu era, porque me encontrava aqui nesse
preciso momento, o mundo que cresci era melhor do que esse em que vivo
hoje... — ...bemos ordem , tivemos que controlar a situação... Senti medo, vi
os operários aglomerados ao redor, formara-se um ringue, não haviam rostos
amedrontados, apenas curiosos, alguns sorriam, o verdadeiro inimigo era eu,
candangos e milicianos eram a classe inferior, os oprimidos. Eu representava o
patrão, era o responsável pelas suas vidas miseráveis, alçapão do destino, o
morto nada significa para eles, nascem com a morte, vivem com a morte, já
mataram, já enterraram filhos, irmãos, pais, atingidos pelo desleixo da
sociedade, acendi um cigarro, queria ganhar tempo, queria não estar aqui, os
outros tinham razão. O jantar farto, servido por garçom de libré, não apetecia,
ela, sentada ao seu lado, conversava animada com os outros dois, diretor e
assistente, recém-chegados do Rio, que sapato elegante a senhora calça, veio
visitar seu marido? Ele merece, seu futuro está garantido, a próxima viagem a
senhora fará com o nosso jatinho, traga também um dos filhos, não, não, é
promessa, o que acha da nossa residência? Verdade, é luxuosa, mas temos que
agradar o pessoal do governo, aliás, deve dar um puxão de orelha no seu
marido, ele depenou a todos no pôquer, sim sei, sabemos que ele é
competitivo, concordamos, tem que ser para enfrentar... Eu odiava essa
conversa fútil, não a recriminava, fazia o seu papel, jamais conseguira
disfarçar o desagrado no meu rosto, já me disseram inúmeras vezes "cara, vê
se te manca, tua cara agride...". Eu tentara debater o incidente da tarde,
desconversaram, isso acontece, não esquenta, obra é assim, coisas da vida...
Duas tragadas no cigarro, joguei-o no chão, pisei em cima com a bota.
— O combinado, tenente? Grossos bigodes desafiavam. — Viraram um carro.
— Não me parece que agiu de modo inteligente, respondi e senti logo que não
usara as palavras adequadas. — Desculpe-me o palpite — falei sem firmeza
— talvez meu pessoal tenha exagerado... Minha posição, eu sabia,
enfraquecera, senti meu rosto tenso, esfogueado, a roda de homens aumentava,
o olhar dos candangos era mais incômodo que a arma apontada. Eu, o
perdedor, o bobo da corte, merecia estar nesse fim de mundo, isso é ser
engenheiro? Não fui talhado para ser John Wayne, Gary Cooper, é meianoite,
não é meio-dia, High Noon está longe, droga, isso é hora para pensar em
filme? Olhei por cima dos ombros do homem à minha frente, um pelotão de
vinte meganhas em fila dupla, cassetete numa mão, mosquete na outra, rostos
indecifráveis na sombra dos capacetes, não tinha dúvida, obedeceriam
cegamente à qualquer ordem, serão analfabetos? Com certeza, de onde são?
Irmãos de origem e da ignorância em confronto, eu, o intelectual, regredindo à
primata, de que lhe serve todo esse saber? Vi-me estendido no chão, sombras
em volta, cochichos, não quero padre, não... O som seco do engatilhar
assustou-me. — Tenente, guarde sua arma
baixinho, espécie de mascote, puxou-me pela manga, doutor, socorro, vi o
sangue escorrer pela sua face, olhei ao redor, rostos amedrontados fitavamme,
doutor, eles bateram em nós, nós dormindo, nós que tavam no chuveiro,
na casinha, em todos, todos...
Vidros estilhaçados, portas arrombadas, um vaso de louça partido, a luz morna
dos postes envolta em fumaça confundia as sombras, levem os feridos para o
hospital e apaguem o fogo, ordenei, não ouvi o sim senhor, aproximei-me do
destacamento, mosquetes em posição de tiro, o tenente à frente de arma em
punho...
— Fizeram arruaça, doutor, rece... Quis voltar ao passado, mas qual dele?
Tinha tantos... Voltar à dolce vita do English school, ao verão na Côte d'Azur,
aos tempos do bombardeio da Luftwaffe sobre Londres, ao pecaminoso prazer
de Copacabana, voltar às polpudas per diem do pai, às perdidas amizades do
clube de remo, ao exílio imposto no interior de Minas, mas só a lembrança da
falência material da família me perseguia. Voltar é sempre ruim, o caminho
através da porta da mente é doloroso, teria que viver mais vinte, trinta anos,
para que eu pudesse saber quem eu era, porque me encontrava aqui nesse
preciso momento, o mundo que cresci era melhor do que esse em que vivo
hoje... — ...bemos ordem , tivemos que controlar a situação... Senti medo, vi
os operários aglomerados ao redor, formara-se um ringue, não haviam rostos
amedrontados, apenas curiosos, alguns sorriam, o verdadeiro inimigo era eu,
candangos e milicianos eram a classe inferior, os oprimidos. Eu representava o
patrão, era o responsável pelas suas vidas miseráveis, alçapão do destino, o
morto nada significa para eles, nascem com a morte, vivem com a morte, já
mataram, já enterraram filhos, irmãos, pais, atingidos pelo desleixo da
sociedade, acendi um cigarro, queria ganhar tempo, queria não estar aqui, os
outros tinham razão. O jantar farto, servido por garçom de libré, não apetecia,
ela, sentada ao seu lado, conversava animada com os outros dois, diretor e
assistente, recém-chegados do Rio, que sapato elegante a senhora calça, veio
visitar seu marido? Ele merece, seu futuro está garantido, a próxima viagem a
senhora fará com o nosso jatinho, traga também um dos filhos, não, não, é
promessa, o que acha da nossa residência? Verdade, é luxuosa, mas temos que
agradar o pessoal do governo, aliás, deve dar um puxão de orelha no seu
marido, ele depenou a todos no pôquer, sim sei, sabemos que ele é
competitivo, concordamos, tem que ser para enfrentar... Eu odiava essa
conversa fútil, não a recriminava, fazia o seu papel, jamais conseguira
disfarçar o desagrado no meu rosto, já me disseram inúmeras vezes "cara, vê
se te manca, tua cara agride...". Eu tentara debater o incidente da tarde,
desconversaram, isso acontece, não esquenta, obra é assim, coisas da vida...
Duas tragadas no cigarro, joguei-o no chão, pisei em cima com a bota.
— O combinado, tenente? Grossos bigodes desafiavam. — Viraram um carro.
— Não me parece que agiu de modo inteligente, respondi e senti logo que não
usara as palavras adequadas. — Desculpe-me o palpite — falei sem firmeza
— talvez meu pessoal tenha exagerado... Minha posição, eu sabia,
enfraquecera, senti meu rosto tenso, esfogueado, a roda de homens aumentava,
o olhar dos candangos era mais incômodo que a arma apontada. Eu, o
perdedor, o bobo da corte, merecia estar nesse fim de mundo, isso é ser
engenheiro? Não fui talhado para ser John Wayne, Gary Cooper, é meianoite,
não é meio-dia, High Noon está longe, droga, isso é hora para pensar em
filme? Olhei por cima dos ombros do homem à minha frente, um pelotão de
vinte meganhas em fila dupla, cassetete numa mão, mosquete na outra, rostos
indecifráveis na sombra dos capacetes, não tinha dúvida, obedeceriam
cegamente à qualquer ordem, serão analfabetos? Com certeza, de onde são?
Irmãos de origem e da ignorância em confronto, eu, o intelectual, regredindo à
primata, de que lhe serve todo esse saber? Vi-me estendido no chão, sombras
em volta, cochichos, não quero padre, não... O som seco do engatilhar
assustou-me. — Tenente, guarde sua arma
martedì 23 maggio 2017
Foz de Iguassu - Salto Ozorio - 1973 - primeira parte
XIV
Arriscar a vida, a integridade física:
o motivo é justo? É sua obrigação?
As respostas são imprecisas, dúbias,
olhares covardes se baixam,
ela sorri, conhece o homem com quem se acasalou,
sabe que é destemido, nada teme,
coragem ele tem de sobra,
é seu macho, o último dos mohicanos.
Nas obras de grande envergadura, a estrutura de apoio é excelente:
acampamento para operários solteiros, casas para os casados, casas para os
engenheiros, hospital, supermercado, igreja, clube, escritórios bem montados,
hotel e casa de hóspedes. Na construção da Hidrelétrica de Salto Ozório, que
eu dirigia, o modelo era esse. Cinco mil operários trabalhavam em dois turnos,
tudo perfeito, tudo sob controle, tudo no prazo, nenhum problema. Às vezes
minha mulher visitava-me, vindo do Rio e, regularmente, de mês em mês,
vinha um diretor da sede para inspecionar.
Naquele dia todos estavam ali, todos jantando na casa de hóspedes. Houve um
incidente durante a tarde, um operário fora morto pela milícia particular
contratada pela dona da obra, a Eletrosul. Eu rezava para que não houvesse
desdobramento. Ilusão, operário é rude, solidário, haveria tumulto e,
consciente disso, eu me entendera com o comando da milícia, para que seus
subordinados se mantivessem calmos e cautelosos. O acordo fora aceito.
Durante o jantar um dos encarregados surgiu esbaforido, veio comunicar um
tumulto no acampamento dos solteiros, que a milícia invadira distribuindo
pancada a torto e direito. Pediu ajuda. O pepino era meu, os dois visitantes do
Rio fingiram-se de mortos, minha mulher olhou-me, não disse palavra para
impedir minha ação, havia perigo, que mulher extraordinária. Saí com o
encarregado na caminhonete e dirigi-me à praça de guerra.
O ronco do motor irritava meus ouvidos, o veículo balançava com violência,
minhas costas doíam, o pessoal da oficina nunca obedecia, ponham menos
pressão nos pneus, eu recomendava, nada feito, em obra o que mais eu ouvia
era sim senhor, ainda não descobrira se era burrice, teimosia ou indisciplina,
mas isso agora pouco importava, sim senhor, sim senhor, era o que queria
ouvir daqui a instantes, Deus faça-os obedecerem, rezava. Sim senhor, sim
senhor, era o que eu balbuciava. A lembrança da manhã veio à minha mente,
minha mulher pouco me visitava e logo hoje essa bagunça. O frio que entrava
pelas frestas da casa de madeira fez-me estremecer, detestava o frio, de pé
olhei para ela, fizera uma viagem de vinte horas para me encontrar, era um
bocado de chão do Rio até à beira do rio Iguaçu, acariciei seus cabelos,
olhando o ligeiro sorriso no seu rosto, como posso retribuir tamanho amor,
como pude abandonar os meninos, a brisa e o mar, a estética urbana do meu
Rio, como... Sabia que esses momentos sombrios não me largariam pelo resto
do dia, não haveria maneira de livrar-me deles. A zoeira das perfuratrizes
trouxe-me à realidade, vesti a calça jeans, camisa e japona, calcei as botas
surradas, elas acompanhavam-me há anos, o meu capacete também, o tipo de
vida que eu levava fizera-me supersticioso, uma última olhada nela, fechei a
porta com cuidado, entrei no fusca, acionei o motor, as gralhas pousadas na
cerca levantaram vôo e sumiram no meio dos pinheiros. O céu azul, muito
azul, desprovido de cortina poluidora, machucou-me a vista, coloquei o Ray
Ban, o ar puro penetrou nos pulmões, tossi, acendi um cigarro, o estômago
doeu, peguei o rumo da cantina, uma data projetou-se em minha mente. 12 de
abril, o rio estaria na sua cota mais baixa, a segunda fase do desvio a ser
executada, eu, o poder absoluto, faria acontecer, eu, o poder máximo,
comandava cinco mil operários, eu, o mágico, dispunha de milhões de dólares
em equipamento, eu... Minhas mãos crisparam-se no volante, a respiração
ofegante fez-me jogar o cigarro pela janela, naquele preciso instante a
sensação de felicidade envolveu-me com irresistível doçura.
— Quase chegando, doutor — escutei. As palavras do motorista
irritaram-me, já fizera cem, mil vezes esse caminho, duas três vezes por dia,
uma eternidade, da residência ao canteiro da obra. Ao longe a visão noturna
assustadora, dezenas de luzes piscando em meio à bruma do vale. Poeira? Não
dava para distinguir, o martelar das perfuratrizes penetrava nos ouvidos, o
ronco entrecortado dos scrapers e tratores completava a harmonia, com
certeza, foi nesses sons que Schomberg se inspirou ao compor suas
dissonantes sinfonias, ou talvez Thelonious usou-os nas suas peças
jazzísticas, comecei a rir, diletante das artes, o pessoal zombava, não me
incomodava, até gostava, a todo o momento eu citava escritores,
compositores, diretores de cinema, era o modo que dispunha para espantar a
reclusão.
— Que foi, doutor? Como explicar que deixara para trás centenas de CDs,
estantes cheias de livros, dezenas de vídeos e viera isolar-me neste fim de
mundo? Não saberia como. Para alguém entender, teria que desvendar meu
passado, o passado estava longe, enterrado num país balcânico, na herança
bíblica iniciada com o êxodo do Egito, oculto no peso atávico irremovível,
escondido na sabedoria da Torah, meu pai, meu pai, você não me libertou,
impôs-me a sua autoridade. O dilema na minha alma de engenheiro errante e
de meus reais anseios ainda perdura, pergunto-me se não cometi uma tolice
ao lhe obedecer, a hipocondria que atola meu ser é insuportável, sinto-me
acabado, meu sistema nervoso não foi feito para essa quantidade de afecções
deprimentes, pouco estéticas, perco-me em mim mesmo, tateio atrás de mim
mesmo, um cão atrás do próprio rabo...
—Doutor, como vai acabar essa bagunça? A lembrança da manhã continuava
ainda. Senti a boca seca, depois de dezenas de cigarros perdera o paladar,
meus dentes se atritavam ao pó de pedra misturado à saliva, a estrutura da
barragem despontava ameaçadora de dentro da rocha escavada, o ritmo
incansável da concretagem, o som metálico dos vibradores, o vaivém dos
scrapers na jazida, os tratores empurrando blocos de pedra, tudo pulsava ao
redor, do fundo do canal de fuga sentia-me todo poderoso, tinha certeza, 12 de
abril, 12 de abril...
— Doutor! — o encarregado interrompeu o devaneio — os meganha
fuzilaram um dos nossos no acampamento. Eu tremia dentro da japona, o frio,
o medo e a incerteza deixaram-me febril, minha existência, eterno desafio, não
desafiou o seu pai e agora você quer se redimir, repetia sem cessar uma voz
interior, infantilidade, você é maluco, quer atos heróicos, um possuído pela
síndrome da auto-afirmação...
— Doutor, estamos quase chegando. As luzes do acampamento surgiram à
frente, o vidro embaçado tornava fantasmagórica a visão, estremeci, o gulag
está próximo, homens sem futuro e com passado duvidoso ali residiam,
amontoados em quartos com beliches, sem lazer, sem mulher, homens que
pegavam no pesado, e recebiam salário mínimo como recompensa, no entanto,
eram o coração da obra, eu os entendia, mas nada fizera para mudar o statu
quo, seguia as regras, eu também lutava pela sobrevivência, Deus meu, qual
era o mal da embriaguez, a bebida é refúgio, anestésico do desespero, visão
fugidia do nirvana, Deus, Deus, onde está Vossa misericórdia, mataram uma
das Vossas ovelhas...
— Doutor, olha o fogo, tocaram fogo. Mais lembranças do dia. O tenente da
milícia recebeu-me cortês, senta doutor, permaneci de pé, o relato verbal foi
sucinto, o elemento não obedeceu à ordem de parar, avançou
ameaçadoramente em direção ao praça, este não teve alternativa e atirou,
infelizmente, ocasionou a morte do elemento, mas, tenente, um embriagado?
Seria fácil subjugá-lo, doutor, temos que impor a ordem, despediu-se seco.
Consegui a promessa da milícia de permanecer no quartel nas próximas vinte
e quatro horas, o confronto tinha que ser evitado.
Arriscar a vida, a integridade física:
o motivo é justo? É sua obrigação?
As respostas são imprecisas, dúbias,
olhares covardes se baixam,
ela sorri, conhece o homem com quem se acasalou,
sabe que é destemido, nada teme,
coragem ele tem de sobra,
é seu macho, o último dos mohicanos.
Nas obras de grande envergadura, a estrutura de apoio é excelente:
acampamento para operários solteiros, casas para os casados, casas para os
engenheiros, hospital, supermercado, igreja, clube, escritórios bem montados,
hotel e casa de hóspedes. Na construção da Hidrelétrica de Salto Ozório, que
eu dirigia, o modelo era esse. Cinco mil operários trabalhavam em dois turnos,
tudo perfeito, tudo sob controle, tudo no prazo, nenhum problema. Às vezes
minha mulher visitava-me, vindo do Rio e, regularmente, de mês em mês,
vinha um diretor da sede para inspecionar.
Naquele dia todos estavam ali, todos jantando na casa de hóspedes. Houve um
incidente durante a tarde, um operário fora morto pela milícia particular
contratada pela dona da obra, a Eletrosul. Eu rezava para que não houvesse
desdobramento. Ilusão, operário é rude, solidário, haveria tumulto e,
consciente disso, eu me entendera com o comando da milícia, para que seus
subordinados se mantivessem calmos e cautelosos. O acordo fora aceito.
Durante o jantar um dos encarregados surgiu esbaforido, veio comunicar um
tumulto no acampamento dos solteiros, que a milícia invadira distribuindo
pancada a torto e direito. Pediu ajuda. O pepino era meu, os dois visitantes do
Rio fingiram-se de mortos, minha mulher olhou-me, não disse palavra para
impedir minha ação, havia perigo, que mulher extraordinária. Saí com o
encarregado na caminhonete e dirigi-me à praça de guerra.
O ronco do motor irritava meus ouvidos, o veículo balançava com violência,
minhas costas doíam, o pessoal da oficina nunca obedecia, ponham menos
pressão nos pneus, eu recomendava, nada feito, em obra o que mais eu ouvia
era sim senhor, ainda não descobrira se era burrice, teimosia ou indisciplina,
mas isso agora pouco importava, sim senhor, sim senhor, era o que queria
ouvir daqui a instantes, Deus faça-os obedecerem, rezava. Sim senhor, sim
senhor, era o que eu balbuciava. A lembrança da manhã veio à minha mente,
minha mulher pouco me visitava e logo hoje essa bagunça. O frio que entrava
pelas frestas da casa de madeira fez-me estremecer, detestava o frio, de pé
olhei para ela, fizera uma viagem de vinte horas para me encontrar, era um
bocado de chão do Rio até à beira do rio Iguaçu, acariciei seus cabelos,
olhando o ligeiro sorriso no seu rosto, como posso retribuir tamanho amor,
como pude abandonar os meninos, a brisa e o mar, a estética urbana do meu
Rio, como... Sabia que esses momentos sombrios não me largariam pelo resto
do dia, não haveria maneira de livrar-me deles. A zoeira das perfuratrizes
trouxe-me à realidade, vesti a calça jeans, camisa e japona, calcei as botas
surradas, elas acompanhavam-me há anos, o meu capacete também, o tipo de
vida que eu levava fizera-me supersticioso, uma última olhada nela, fechei a
porta com cuidado, entrei no fusca, acionei o motor, as gralhas pousadas na
cerca levantaram vôo e sumiram no meio dos pinheiros. O céu azul, muito
azul, desprovido de cortina poluidora, machucou-me a vista, coloquei o Ray
Ban, o ar puro penetrou nos pulmões, tossi, acendi um cigarro, o estômago
doeu, peguei o rumo da cantina, uma data projetou-se em minha mente. 12 de
abril, o rio estaria na sua cota mais baixa, a segunda fase do desvio a ser
executada, eu, o poder absoluto, faria acontecer, eu, o poder máximo,
comandava cinco mil operários, eu, o mágico, dispunha de milhões de dólares
em equipamento, eu... Minhas mãos crisparam-se no volante, a respiração
ofegante fez-me jogar o cigarro pela janela, naquele preciso instante a
sensação de felicidade envolveu-me com irresistível doçura.
— Quase chegando, doutor — escutei. As palavras do motorista
irritaram-me, já fizera cem, mil vezes esse caminho, duas três vezes por dia,
uma eternidade, da residência ao canteiro da obra. Ao longe a visão noturna
assustadora, dezenas de luzes piscando em meio à bruma do vale. Poeira? Não
dava para distinguir, o martelar das perfuratrizes penetrava nos ouvidos, o
ronco entrecortado dos scrapers e tratores completava a harmonia, com
certeza, foi nesses sons que Schomberg se inspirou ao compor suas
dissonantes sinfonias, ou talvez Thelonious usou-os nas suas peças
jazzísticas, comecei a rir, diletante das artes, o pessoal zombava, não me
incomodava, até gostava, a todo o momento eu citava escritores,
compositores, diretores de cinema, era o modo que dispunha para espantar a
reclusão.
— Que foi, doutor? Como explicar que deixara para trás centenas de CDs,
estantes cheias de livros, dezenas de vídeos e viera isolar-me neste fim de
mundo? Não saberia como. Para alguém entender, teria que desvendar meu
passado, o passado estava longe, enterrado num país balcânico, na herança
bíblica iniciada com o êxodo do Egito, oculto no peso atávico irremovível,
escondido na sabedoria da Torah, meu pai, meu pai, você não me libertou,
impôs-me a sua autoridade. O dilema na minha alma de engenheiro errante e
de meus reais anseios ainda perdura, pergunto-me se não cometi uma tolice
ao lhe obedecer, a hipocondria que atola meu ser é insuportável, sinto-me
acabado, meu sistema nervoso não foi feito para essa quantidade de afecções
deprimentes, pouco estéticas, perco-me em mim mesmo, tateio atrás de mim
mesmo, um cão atrás do próprio rabo...
—Doutor, como vai acabar essa bagunça? A lembrança da manhã continuava
ainda. Senti a boca seca, depois de dezenas de cigarros perdera o paladar,
meus dentes se atritavam ao pó de pedra misturado à saliva, a estrutura da
barragem despontava ameaçadora de dentro da rocha escavada, o ritmo
incansável da concretagem, o som metálico dos vibradores, o vaivém dos
scrapers na jazida, os tratores empurrando blocos de pedra, tudo pulsava ao
redor, do fundo do canal de fuga sentia-me todo poderoso, tinha certeza, 12 de
abril, 12 de abril...
— Doutor! — o encarregado interrompeu o devaneio — os meganha
fuzilaram um dos nossos no acampamento. Eu tremia dentro da japona, o frio,
o medo e a incerteza deixaram-me febril, minha existência, eterno desafio, não
desafiou o seu pai e agora você quer se redimir, repetia sem cessar uma voz
interior, infantilidade, você é maluco, quer atos heróicos, um possuído pela
síndrome da auto-afirmação...
— Doutor, estamos quase chegando. As luzes do acampamento surgiram à
frente, o vidro embaçado tornava fantasmagórica a visão, estremeci, o gulag
está próximo, homens sem futuro e com passado duvidoso ali residiam,
amontoados em quartos com beliches, sem lazer, sem mulher, homens que
pegavam no pesado, e recebiam salário mínimo como recompensa, no entanto,
eram o coração da obra, eu os entendia, mas nada fizera para mudar o statu
quo, seguia as regras, eu também lutava pela sobrevivência, Deus meu, qual
era o mal da embriaguez, a bebida é refúgio, anestésico do desespero, visão
fugidia do nirvana, Deus, Deus, onde está Vossa misericórdia, mataram uma
das Vossas ovelhas...
— Doutor, olha o fogo, tocaram fogo. Mais lembranças do dia. O tenente da
milícia recebeu-me cortês, senta doutor, permaneci de pé, o relato verbal foi
sucinto, o elemento não obedeceu à ordem de parar, avançou
ameaçadoramente em direção ao praça, este não teve alternativa e atirou,
infelizmente, ocasionou a morte do elemento, mas, tenente, um embriagado?
Seria fácil subjugá-lo, doutor, temos que impor a ordem, despediu-se seco.
Consegui a promessa da milícia de permanecer no quartel nas próximas vinte
e quatro horas, o confronto tinha que ser evitado.
lunedì 22 maggio 2017
SERGIO LANDAU
Velho ! ele grita
e se aproxima
olhar carinhoso
Agradeco a ela
Me beija na face
com carinho
sinto amor
Agradeco a ela
Seu vozeirao
conta historias
canta a vida
Agradeco a ela
Se despede
abraca forte
me insufla vida
Agradeco a ela
Ele e puro como
as gotas de orvalho
seu sorriso
janela aberta a luz do sol
Agradeco a ela
me deu o Sergio
domenica 21 maggio 2017
REPOUSO - Iosif Landau
nasci na era
do bonde puxado a cavalo
do lampiao a gas,
em casa majestuosa
pela mao da parteira
sob o olhar severo do rabino
amamentado por robusta camponesa
no meu sangue semita correm
campos de trigo
pastos floridos
florestas seculares
picos nevados
renasci num pais
de paisagens marinhas
com palmeiras e sabias
seu feminino encanto
prometeu vida
abusei da paciencia divina
que seja vagaroso meu destino
quero fluir
preguicoso como o rio mar
esquecer - me
dos picos nevados
das duas existencias
aqui repouso
do bonde puxado a cavalo
do lampiao a gas,
em casa majestuosa
pela mao da parteira
sob o olhar severo do rabino
amamentado por robusta camponesa
no meu sangue semita correm
campos de trigo
pastos floridos
florestas seculares
picos nevados
renasci num pais
de paisagens marinhas
com palmeiras e sabias
seu feminino encanto
prometeu vida
abusei da paciencia divina
que seja vagaroso meu destino
quero fluir
preguicoso como o rio mar
esquecer - me
dos picos nevados
das duas existencias
aqui repouso
Companhia Vale do Rio Doce
Estrada tortuosa, ardilosa e minada,
mil barreiras, pulei por cima de muitas,
tropecei em algumas,
fui eliminado da refrega:
excesso de competência.
Já pensei em parar com este relato das minhas memórias, mas continuei
escrevendo-o. Com medo de esquecer um passado que na minha mente
parecia cada vez mais inverossímil, cada vez mais irreal. Angustiava-me.
Minhas lembranças, bem ou mal-escritas, minúcias intencionalmente omitidas,
estados mentais pouco elaborados, alma pouco escrutada, talvez até
historicamente imprecisas, são, inequivocadamente, verdadeiras e vividas.
A mutação de um estágio da minha vida para outro não foi imediata, embora
tenha sido radical em termos geográficos e históricos. Foram dezenove anos
de existência, de 1941 a 1960, entre o céu e o inferno, como já escrevi. A
maturidade alcançou-me tardiamente, um contra-senso, independente e
resoluto a partir dos catorze anos entrei num retrocesso. Hoje reconheço que o
invólucro da fortuna familiar, a minha credulidade na bondade, amizade,
dever filial e minha alienação do mundo verdadeiro e da complexidade da
alma humana levaram-me até um poço muito fundo. Por uma dádiva — a
quem ou a quê eu devo agradecer? —, arrastei-me até a superfície, iniciei uma
luta feroz para sobreviver. Tive que reaprender a viver, passar por processos
dolorosos de readaptação, o embate foi feroz, alguém de "lá de cima"
protegeu-me, escapei verdadeiramente de perigos que terminariam com o
curso de minha vida. O "lá de cima" abençoou-me com teimosia,
determinação, coragem e muita força, física e interior, mas não escapei das
dores da alma, dos desapontamentos, das frustrações das derrotas, das
conseqüências daquele passado "principesco". Sobrevivi. Minha mulher e
meus filhos ilesos, minha verdadeira vitória. Em termos pessoais fui derrotado
e muito ferido.
Em novembro de 1960 estava desempregado, com reserva em dinheiro
suficiente para apenas três meses. Fui à luta para arrumar emprego, batia às
portas de empresas, respondia aos anúncios e não há pior experiência que essa,
a de um pedinte de emprego. Tem-se a impressão de estar pedindo esmola.
Pelo menos era assim que eu era olhado, um terror, um vexame. Eu ia à cidade
com dinheiro contado, a passagem de ida e volta, um sanduíche no almoço,
um maço de cigarros e, o mais aborrecido, era que eu me apresentava bem
vestido, como se vivesse em plena bonança. Além de ser encarado com uma
piada, muitos me achavam um vigarista, sorriam e mostravam-me a saída. Ao
encontrar um amigo e contar a minha desgraça, ele sorriu complacente e disseme
"Landau, você é rico, nos sabemos, você quer trabalho por diletantismo".
Por ordem cronológica: abri novo escritório, um ano de projetos e
fiscalizações, em seguida, dois anos em empresa de construções elétricas; dois
anos como engenheiro da PUC (Pontifícia Universidade Católica),
construindo Biblioteca e Instituto de Física; dez anos na empreiteira número
um no ranking da engenharia pesada, em que dirigi a construção de rodovias,
linhas de transmissão de eletricidade, refinarias da Petrobrás e hidrelétricas;
um ano na Eletronorte, projetando Tucuruí; oito anos na CVRD (Companhia
Vale do Rio Doce) como superintendente da construção de Carajás; dois anos
de consultoria no projeto de Balbinas; intervalo de anos de subempregos; dois
anos como superintendente de projeto da Ferrovia Norte Sul. Não falarei de
detalhes dessa trajetória muito penosa, tive compensações maravilhosas, como
conhecer muito o Brasil, lidar com o Povo e conhecer sua verdadeira face,
além de garantir a sobrevivência da família. Ajudei bastante a construir o
Brasil Grande, com muita alegria, mas... Lidei com a desonestidade, com a
safadeza, com a inveja, injustiça, maldade, traição, fui castigado por ser
honesto, perdi amizades, fui sufocado por isso tudo, aposentei-me desiludido e
muito cansado. Mais uma vez "alguém lá de cima" socorreu-me, disse-me
"você é escritor", eu acreditei e aqui estou.
Gostaria apenas de falar de um episódio que ilustra a minha ilusão quanto ao
"certo" e a realidade do "errado". Convidado para assumir a superintendência
da construção do Projeto Carajás, pelo mérito de ser considerado, naquele
época, 1975, um dos muitos engenheiros competentes em construção, com
forte liderança, em ótimas condições físicas e mentais, cheio de energia,
exultei. Pensei: "eis a grande chance de conduzir um empreendimento de
modo correto, do jeito que tem que ser". Conhecia todas as manhas dos
empreiteiros, todos os segredos do ofício, tinha bom trânsito nas camadas
elevadas da Engenharia, podia exigir, podia realizar, sabia que não seria fácil,
expliquei meu pensamento à diretoria, deram-me apoio absoluto, mergulhei de
cabeça, formei minha equipe, afastei os imprestáveis, assumi poderoso, feliz e
satisfeito. Tentei mudar o modo de executar as concorrências, a porta de
entrada para qualquer empreendimento: o preço mais baixo não valeria e sim o
preço justo. Fui derrotado, o medo da mudança já estava enraizado nos
burocratas, os empreiteiros fizeram o jogo da ante-sala, fiquei desapontado,
mas tudo bem, tinha armas para conduzir a execução dos trabalhos. Poderosos
visitaram-me, adulando-me, querendo detalhes dos quais eu dispunha,
"segredos de estado", escutei propostas indecentes, fingi-me de morto.
Contratos foram assinados, as obras iniciadas — o preço baixo é subterfúgio
para forçar mudanças no contrato, mil situações são alegadas, sofismas e
distorções, não aceitei nada disso — meus engenheiros sofreram assédios de
propinas e promessas, alguns sucumbiram, quando descobertos foram
afastados por mim, fui ameaçado, recebi ofertas inacreditáveis, permaneci
intocável.
As coisas iam do meu jeito, de paulada em paulada, mas meu grande engano e
inocência: o poder das "irmãs" (as cinco maiores empreiteiras do Brasil) era
infinito. Transitavam pelo Poder Constituído como influentes amantes,
derrubaram minha diretoria, eu não podia ser afastado, não havia motivo que o
justificasse, minha nova chefia foi instalada, retirou meu cargo, não me
despediu, mas deixou-me sem função, peguei meu chapéu e fui embora. Os
preços contratados dobraram, o empreendimento custou os olhos da cara, fui
colocado na lista negra, as portas se fecharam e, meu Deus, como ainda tem
gente que é contra a privatização. A Companhia Vale do Rio Doce dobrou os
lucros com menos funcionários e o preço de construção das hidrelétricas caiu
pela metade, nada mais precisa ser dito. A não ser que os ladrões hoje
descobertos, nada mais são do que os poderosos daquela época e ainda têm
muitos escondidos pelo biombo da impunidade.
O Brasil é Grande e será Maior ainda!
sabato 20 maggio 2017
meu irmao fala mais...do nosso passado...
Dezenas de anos se passaram e
eu nunca retornei à paisagem do passado.
Luxo, jóias caras, ambiente requintado,
filme quase apagado, perdeu o colorido,
melodia antiga, fantasmas revivem,
Douce France, pays de mon enfance!
Ser velho (desculpem-me, mas eu sou) é memória, às vezes sorrio, outras vezes lamento, não digo que choro, é muita apelação ao consolo, detesto ser consolado, faz-me sentir impotente, todas as gamas da impotência, é humilhante. Nesse preciso momento estou sorrindo, ouvi há pouco um CD de Henri Salvador, creio que entre os meus amigos ninguém o conhece, excetuando o poeta José P. di Cavalcanti Jr., tenho certeza, é um chansonnier francês, muito bom mesmo, conheci-o no Rio, sim, no Rio, em 1941, era crooner da orquestra de Ray Ventura, também francês, fugidos da guerra,
como o foi Jean Sablon, todos residentes no Copacabana Palace. Isso deve ser ancient history para vocês, para mim é reminiscência, a belle époque no lato sensu que jamais se repetirá, sol, mar, céu azul, areia limpa. Hoje também temos (com areia suja) tudo tão igual, mas tão diferente, o mundo complicouse, o País perdeu a inocência, tudo enfeou, alegria, camaradagem, beleza, amor, ainda encontra-se, mas como tem que se procurar e como, com freqüência, topar com o desapontamento, talvez eu exagere, com certeza, perdoem-me, sou velho. Mas, droga, me perdi no caminho, os chansonniers franceses me fazem retroceder bem antes de 1941, antes do débâcle, quando a Douce France de Trenet era também Dolce Vita, a Côte d'Azur abrigava a burguesia endinheirada e eu digo sem remorsos, minha família era bem
endinheirada. Monte Carlo, Cannes, Nice, Cap Ferrat eram nossos lares, em especial, Juan les Pains (Saint-Tropez daquela época). Como já escrevera uma vez para uma amiga, era bom ser rico, um luxo só, hotéis, restaurantes, cassinos, luxo e mais luxo, smoking, dinner jacket, summer jacket, vestidos longos, jóias resplandecentes, Rolls Royce, Bugatti, Mercedes, Hispano Suiza,
Auto Union (estou rindo, vendo seus rostos, algumas são antigas marcas de carros usados pelos ricaços), devem pensar esse cara é um fútil, um babaca, pode ser, talvez concorde com vocês, mas era um babaca superfeliz e tenho saudades e gosto dessas memórias e estou sorrindo...
Adieu joli rêve! Adeus belo sonho!
Hotel Negresco aonde ficavamos em Nice
Jean Sablon era muito famoso ....
giovedì 18 maggio 2017
madame mon amour - poema 2003 sempre de meu irmao!!!
mon amour
ela aparece ao entardecer,
quando o vento norte corre no ar
tão quente que derrete as conchas no mar,
me ama com a fúria de arco-íris tropical,
meus nervos retesados como cordas de violino
tocam a Sinfonia Macabra e o quarto se esvai
em silêncio selvagem mergulhado em
vermelho sangue e preto Somália,
ela me esfola, me deixa em carne viva,
crava as iniciais nas minhas costas ardidas,
me seduz como gata no cio,
me retalha com um sabre naginata kachigumi,
relincha como égua soberana dos cavalos
e eu, príncipe das mulas pardas,
insemino nela gotas de caviar,
por ela me injeto toda a heroína da Conchinchina,
assisto extasiado sua dança de fada endiabrada
pelas praias da Ilha Grande,
às vezes ela parece tão estranha,
mas é a única garota que conheço
que cavalga em pêlo e sem esporas
mercoledì 17 maggio 2017
a continuacao e fim -
Estabeleceu-se em Xalapa, cidade afastada da capital, lecionou na
universidade local, a pintura, sua paixão eterna. Minha sobrinha casou-se em
segundas núpcias com um jornalista holandês, deu à minha irmã três netos,
vieram ao Rio duas vezes, bela família. Como o seu genro foi enviado pelo
jornal à Itália, minha irmã mudou-se para Roma e, por desgraça do destino, a
filha, o genro e os netos mudaram-se para a China, ela ficou na Itália, sozinha
e triste. Mas ela é uma Landau, tem fibra, gana, teimosia, muita coragem e
vive, na pintura, a paixão de sua existência. Ela teve oportunidades para rever
parte da família espalhada na Austrália e Israel, foi muito bom para ela. Meu
filho Luiz esteve recentemente com ela em Roma, minha filha Elena e minha
mulher Lia estiveram tempos atrás na Holanda e lá se encontraram, a última
vez que a vi foi no Rio, creio que faz mais de seis anos. Não sei se vamos nos
rever, meu Deus, agora eu choro, nenhum dos dois tem posses para viajar e
nem saúde física ou mental (eu, com certeza) para tal empreendimento.
Felizmente a informática encurtou o tempo e a distância, nos comunicamos
por e-mail, o que é um enorme consolo. Minha irmã é uma mulher
extraordinária, tem coragem para dar e vender, tem talento de sobra, fala e
escreve em três línguas com perfeição absoluta, espanhol, italiano e francês,
não sei se ainda se lembra do alemão, se ainda domina bem o inglês, mas creio
que sim e, ainda, sabe o português e lembra-se do romeno, que eu já esqueci
faz tempo. Sua cultura é vasta, é mil vezes mais inteligente que eu, é poetisa,
escritora, um monumento de pessoa com menos de 1,70m de altura e eu sou
um irmão desnaturado que a ama muito, e meu Deus, como desperdicei
momentos de ternura, soeur Myra, comme je t'aime!
"..onde estiver meu querido, eu grito Comme je t,aime , irmao queridoooo!"
foto de dois anos atras.
martedì 16 maggio 2017
Irmao fala de mim - primeira parte...
Eu nasci primeiro, minha irmã, quase dois anos mais tarde, ganhou o nome de
Emília que ela detestava, adotou o Myra. O irmão mais velho sempre é uma
peste, a irmã é inexistente e nada vale, crescemos juntos, quase estranhos, sei
que eu me encantava com os livros dela, a coleção Comtesse de Ségur, todos
éramos grandes leitores. Um ano depois de eu estar na Inglaterra, ela também
foi enviada para lá, para um internato, tenho certeza, tão nobre e aristocrático
quanto o meu. Visitei-a poucas vezes, um perfeito egoísta e safado. No préguerra,
como já contei, ela voltou com os pais a Bucareste, passou com eles
pela fuga por Lisboa, até o Rio de Janeiro. Freqüentou o Colégio Bennet,
trazia as colegas em casa, eu as tratava com desprezo, muito meninas para o
meu gosto. Eu pouco externava meu amor fraternal. Conheceu meus amigos
do remo, ficou noiva do Elio, não deu certo, namorou um outro, safado de
alma, nunca me meti e nem tomava conhecimento. Acabou casando-se ...
, teve uma filha, ,, mudou-se para São Paulo, não era feliz, encontrou as artes,
aprendeu o ofício da cerâmica, pintura, acabou por divorciar-se, voltou para o
Rio, ao seio da família. Convém mencionar que: primeiro, o meu pai a
sufocava com o seu amor, ela e minha mãe eram cão e gato, e naquele tempo,
mulher descasada era pária, a família vigiava como se donzela continuasse.
Uma relação com homem solteiro era pecado mais do que mortal, grande
heresia, ela apaixonou-se por um cidadão italiano, quase vira personagem de
uma segunda tragédia shakesperiana. Continuava com a pintura, reconheci
nela muito talento, desconfio, não tenho certeza, que se casou com um erudito
mexicano para uma nova liberdade, viúvo com quatro filhos, não o conheci
pessoalmente. Mudou-se para o México, fez muito bem, a família era um
estorvo, meu pai inconsolável, o marido mexicano, diretor de Museu de Arte e
muito prestigiado, incentivou seu trabalho com a pintura, teve um filho com
ele, que, infelizmente não sobreviveu, e, tempos mais tarde, ficou viúva.
O que escrevi até agora parece mais um relatório do que a descrição de uma
relação de amor e amizade. A convivência foi pouca, o amor existia, mas
escondido. Já devem ter percebido que eu não sou, ou melhor, não era, um
cara muito efusivo em demonstrações de sentimento, mas quando foi preciso,
sempre estive ao lado dela. Poucas vezes ela vinha ao Rio e não permanecia
por longo tempo, mas se correspondia muito com meu pai. Eu nunca escrevia,
só tinha notícias dela pela voz do velho e ela enviava, a mim e aos meus
filhos, suas pinturas. Tem um relacionamento muito afetivo com o meu filho
mais velho, eu recebia edições de revistas, panfletos e fotos das suas
exposições.
continuo amanha...
lunedì 15 maggio 2017
AO VIVO - de meu irmao 2003
nessa manhã, o sol entrando pela janela
tento me lembrar se o cabelo dela era preto ou vermelho,
eu a conheci na porta do edifício, falou meu nome,
disse que estava à minha espera, eu não sabia quem era,
e a coisa rolou intensa entre tapas e beijos por algum tempo,
dividimos cama e mesa o verão inteiro,
nos despedimos numa tarde depois da sessão de cinema,
eu peguei o Circular pra Ipanema, ela o 155 para a Vila da Penha.
era casada, foi o que ela me dissera,
não me incomodei nem liguei pro fato de ela, cada semana,
inventar outra história, o pai o enxotara de casa,
a mãe era louca, a irmã prostituta, o irmão veado,
tanto faz como fez, eu tinha meu emprego e algum dinheiro,
mas não esqueci suas palavras de despedida:
— a gente se encontra por aí, qualquer dia,
e agora, tentando me lembrar da cor do cabelo dela,
senti saudade dos tapas e beijos, do seu cheiro de fêmea,
oh, destino cruel, perdi o emprego e sem dinheiro,
o passado, cortina pesada na minha vida de solteiro,
muitas mulheres passaram por ela,
mas nunca me esqueci do seu cabelo preto ou vermelho,
fui à sua procura pelas ruas pecaminosas de Copacabana,
entrei e saí pelos antros safados da Prado Júnior sacana,
num deles pedi uma cerveja gelada e petiscos salgados,
no palco mal-iluminado, ao som de ritmo quebrado,
uma mulher nua rebolava, meus pentelhos se ouriçaram,
era ela, o refletor iluminando a bunda ondulante,
e mais tarde quando a galera foi minguando
percebi-a de pé ao me lado e ela me falou:
— não te conheci em algum lugar distante?
respondi algo murmurando com os lábios cerrados,
ela me olhou, examinou as rugas na minha cara mal barbeada,
confesso que me senti um pouco embaraçado
quando ela se abaixou e beijou meus olhos embaçados.
no meu quarto ela acendeu um baseado e me ofereceu,
— pensei que nunca mais ia me procurar — ela falou,
em seguida apanhou na estante um livro de poemas
do Beat Allen e me entregou
e juro que cada palavra ali escrita era de paixão e dor
e queimava como brasa,
como se escrita pela minha alma apaixonada.
vivemos por algum tempo juntos
no meu conjunto quarto-e-sala,
havia música de amor durante a noite
revolução de paixões durante o dia,
mas logo a coisa azedou, a grana era pouca,
vendi tudo o que tinha, estante, livros,
Ginsberg, Kerouac, Corso e companhia,
ela ficou irrequieta, saía escondida, ia fazer a vida,
depois de algum tempo não mais voltou,
algo dentro de mim se apagou,
secou como inseto em teia de aranha,
continuei a viver por algum tempo como melhor podia,
pássaro engaiolado em triste memória.
estou de volta, à procura dela pelos antros safados,
domenica 14 maggio 2017
emocoes- poema de meu irmao -2003
tantas emoções eu vivi, muitos momentos lindos,
mas, helás! ne me quitte pas! ne me quitte pas!
esbravejei demais e ouvi demais com gélido desdém,
por onde caminhar sem emoções no meu calcanhar,
o que me espera?
e se o desespero me alcançar
vou me concentrar nos cinco sentidos
e no que eles percebem ou imaginam,
como o sinal luminoso de três cores,
ou na mulher despida ao meu lado dormindo,
enquanto tento eliminar a nostalgia,
e todos os pensamentos poéticos
como gatos, arroz, chuva, cartas de baralho,
samambaias, antenas de celulares,
e os cortiços onde ferrei tantas negras gamadas
e onde promovi surubas multissexuais,
indago às emoções sepultadas num armazém abandonado
onde, quem sabe, tem outro homem que sente o que sinto,
que esteja fora de contexto, um pronome sem endereço,
e como eu, veste bermudões jamaicanos,
camisa florida de surfista havaiano,
nos pés, chinelos da Indonésia,
no pescoço, colar de dentes de tubarão,
na cabeça, chapéu panamá lambuzado,
expirando vapores de fel de cínicos bocejos ,
deitado ao relento sem portas e telhado,
e sem nuvens para se esconder,
se chorei em vida, devo sorrir para a morte?
repito sem cessar o mantra impossível
vida, vida, ne me quitte pas! ne me quitte pas!
"ne me quitte pas.." Jacques Brel cantava ...
sabato 13 maggio 2017
impossivel deixar de pensar no meu irmao...aqui umas linhas de Memoria Tumultuada...
Não sou fujão, nem covarde, nem herói, sou um desgarrado, talvez desertor,mas quem vai me julgar? Os heróis estão enterrados em vala comum, não sójudeus, cristãos também. Os mortos e vivos podem ser contados, osdesgarrados nunca, porque não são nem vivos, nem mortos, são como fantasmas. Minha fuga começou em 37, mas eu não sabia, só a perceberiamuitos anos mais tarde.
Meu pai, minha mãe, minha irmã saíamos para as férias, todo o ano saíamos,sempre o mesmo trajeto, levados pelo Orient Express: Hungria, Áustria, norte da Itália, Suíça, França, parada final Paris, hotel Scribe perto da Place de L'Opera. O velho tinha bastante dinheiro, aliás, tinha muito para nos hospedar no Ritz, no Athené, no Crillon, mas ele dizia que o Scribe tinha atmosfera, que era onde Hemingway se hospedara depois da guerra de 18. O velho era muito esperto, tinha que ser. "Eu já era rico, judeu rico tem passaporte para vida", ele dizia. "Eu era soldado raso, da cavalaria romena, judeu não podia ter patente, nem cabo, nem sargento, eu me dava bem com os coronéis, perdia no pôquer, eles eram sempre os ganhadores, na véspera das batalhas eu era destacado para tomar conta dos estábulos, todos os judeus dos regimentos
morreram com tiros nas costas".
o meu irmao ja conhecem...
meu pai ja velhinho e
sem gravata :)
Meu pai, minha mãe, minha irmã saíamos para as férias, todo o ano saíamos,sempre o mesmo trajeto, levados pelo Orient Express: Hungria, Áustria, norte da Itália, Suíça, França, parada final Paris, hotel Scribe perto da Place de L'Opera. O velho tinha bastante dinheiro, aliás, tinha muito para nos hospedar no Ritz, no Athené, no Crillon, mas ele dizia que o Scribe tinha atmosfera, que era onde Hemingway se hospedara depois da guerra de 18. O velho era muito esperto, tinha que ser. "Eu já era rico, judeu rico tem passaporte para vida", ele dizia. "Eu era soldado raso, da cavalaria romena, judeu não podia ter patente, nem cabo, nem sargento, eu me dava bem com os coronéis, perdia no pôquer, eles eram sempre os ganhadores, na véspera das batalhas eu era destacado para tomar conta dos estábulos, todos os judeus dos regimentos
morreram com tiros nas costas".
o meu irmao ja conhecem...
meu pai ja velhinho e
sem gravata :)
venerdì 12 maggio 2017
PULCHRIS STUDIO - La HAYA - Holanda
uma boa noticia! :
dia 7 de Junho ate o dia 7 de Julho estarao expostas 10 obras minhas e varios cadernos nesta Pulchris Galeria ( ou Studio ) na cidade de La Haya. Estarei junto a outra pintora holandesa que viveu muitos anos no Mexico. Esta mostra foi organizada pela Embaixada do Mexico .
aqui foto de la Galeria:
dia 7 de Junho ate o dia 7 de Julho estarao expostas 10 obras minhas e varios cadernos nesta Pulchris Galeria ( ou Studio ) na cidade de La Haya. Estarei junto a outra pintora holandesa que viveu muitos anos no Mexico. Esta mostra foi organizada pela Embaixada do Mexico .
aqui foto de la Galeria:
giovedì 11 maggio 2017
martedì 9 maggio 2017
Todo dia, a melancolia
Havia, no princípio, um verbo. Que fosse amar, talvez, pois para isso existimos. O certo é que era uma palavra. Que guardasse em si, talvez, toda a memória do mundo, pois é disso que existimos. Iosif Landau, com muita coragem, voltou ao seu começo, para escrever este livro, em que a personagem principal não é inventada, nem qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência: é ele, Iosif Landau, um homem em estado de absoluto tumulto. Vasculhando cada pedaço de sua alma, por meio de lembranças, ele fez uma espécie de acerto de contas consigo mesmo, passou a
limpo o passado, assumiu suas alegrias, prazeres, culpas, perdas, danos e enganos. Coisa que não é para qualquer um.
Eu me pego pensando agora, que estou escrevendo o prefácio de uma vida. Um privilégio que é de poucos também. Mas não quero estender-me além da parte que me cabe. Amo o amigo, respeito o escritor e admiro a sua obra, constantemente me assustando: Iosif Landau não é de esconder mensagens nas entrelinhas. Suas palavras, tal como suas feridas e cicatrizes, são sempre
explícitas. Com sua caligrafia inconfundível — ele escreve compulsivamente — tem hora que Iosif Landau vai atropelando as palavras, desprezando indefinidos artigos e pronomes, como se estivesse atrás da palavra essencial. Em outro momento são as palavras que o atropelam, como se somente elas não bastassem. Repare, gentil leitor, este livro é cheio de cheiros, cores, imagens e
sons. É uma história de amor. Com todas as suas contradições.
Iosif Landau aprendeu que é o público quem decide a sorte da arte e do autor.
Mas escreve conforme recomendou Voltaire: "O verdadeiro pecado é escrever para o público". É possível que ele nem se dê conta disso. Página por página, o escritor e poeta reflete, com intensa melancolia, sobre questões que o atormentam e para as quais ele não encontra explicação. Judeu, nascido na Romênia, viu-se livre dos campos de concentração, vindo morar no Brasil, que ele considera o seu céu. E passou a viver o inferno de sua vida em reviravolta, tendo que conviver com a maldade que há no mundo. Outras tantas vezes foi salvo. Pela vida, pelo amor, pelos amigos, mas a maldade permaneceu no mundo. Por que estou vivo e sofro? Esta é a grande indagação de Iosif Landau, o pivô de sua melancolia. Afora a saudade do que ele não viveu. A nostalgia do que virá. Sua maior constatação, melancólica também, é a de que
existem respostas que não têm perguntas. Amanhã o sol vai nascer de novo.
Ele sabe.
...............................................................................................................................
Silvana Guimarães
Belo Horizonte, 11 de maio de 2002.
Havia, no princípio, um verbo. Que fosse amar, talvez, pois para isso existimos. O certo é que era uma palavra. Que guardasse em si, talvez, toda a memória do mundo, pois é disso que existimos. Iosif Landau, com muita coragem, voltou ao seu começo, para escrever este livro, em que a personagem principal não é inventada, nem qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência: é ele, Iosif Landau, um homem em estado de absoluto tumulto. Vasculhando cada pedaço de sua alma, por meio de lembranças, ele fez uma espécie de acerto de contas consigo mesmo, passou a
limpo o passado, assumiu suas alegrias, prazeres, culpas, perdas, danos e enganos. Coisa que não é para qualquer um.
Eu me pego pensando agora, que estou escrevendo o prefácio de uma vida. Um privilégio que é de poucos também. Mas não quero estender-me além da parte que me cabe. Amo o amigo, respeito o escritor e admiro a sua obra, constantemente me assustando: Iosif Landau não é de esconder mensagens nas entrelinhas. Suas palavras, tal como suas feridas e cicatrizes, são sempre
explícitas. Com sua caligrafia inconfundível — ele escreve compulsivamente — tem hora que Iosif Landau vai atropelando as palavras, desprezando indefinidos artigos e pronomes, como se estivesse atrás da palavra essencial. Em outro momento são as palavras que o atropelam, como se somente elas não bastassem. Repare, gentil leitor, este livro é cheio de cheiros, cores, imagens e
sons. É uma história de amor. Com todas as suas contradições.
Iosif Landau aprendeu que é o público quem decide a sorte da arte e do autor.
Mas escreve conforme recomendou Voltaire: "O verdadeiro pecado é escrever para o público". É possível que ele nem se dê conta disso. Página por página, o escritor e poeta reflete, com intensa melancolia, sobre questões que o atormentam e para as quais ele não encontra explicação. Judeu, nascido na Romênia, viu-se livre dos campos de concentração, vindo morar no Brasil, que ele considera o seu céu. E passou a viver o inferno de sua vida em reviravolta, tendo que conviver com a maldade que há no mundo. Outras tantas vezes foi salvo. Pela vida, pelo amor, pelos amigos, mas a maldade permaneceu no mundo. Por que estou vivo e sofro? Esta é a grande indagação de Iosif Landau, o pivô de sua melancolia. Afora a saudade do que ele não viveu. A nostalgia do que virá. Sua maior constatação, melancólica também, é a de que
existem respostas que não têm perguntas. Amanhã o sol vai nascer de novo.
Ele sabe.
...............................................................................................................................
Silvana Guimarães
Belo Horizonte, 11 de maio de 2002.
lunedì 8 maggio 2017
domenica 7 maggio 2017
D’accord, alors je commence par te dire que mes fantômes, sont réels. Oui, ils sont rouge, ochre, bleu,surtout l’outre mer, splendide nom! orange, , j’adore l’orange pas celles qu’om mangent, non, la couleur., le jaune soleil, j’adore…vert? Non. Vert c’est pour les laitues les arbres les champs. Le noir m’attire, sombre, mystérieux, comme quelques vies. J’en ai connus. Le blanc, blanc, oui. Attention, parfois il semble sale…comme d’autres aussi, connus, …Gris, hum, non pas tellement, j’aime pas mes cheveux , ils sont gris. Bon, un peu. Faut quand même que je ressemble, un grain, à quelques uns de mes fantomes
Rythmes de ma vie. C’est le non générique de mes fantômes. Rythme “quelque chose”, chacun. Et chacun d’eux, danse avec moi, comme je dansais un temps d’antan avec quelqu’un dans un quelconque pays. Des danses féeriques frénétiques qui m’ont coupé le souffle. Et malgré “à bout de souffle” , j’suis ici… devenue fantôme comme eux. Tant mieux car à présent, mon nom est tout simplement Rythme Anonymeinconnu..Fantastique ou phantastique?
Un rayon d’arc-en-ciel me touche. Baguette des fées.. Je deviens étincelle. Etoile. Clair de lune. Grain de sable blanc caressée par le soleil , celui que j’aime, au bord de la mer – laquelle? – les pieds nus dans l’eau : bleu turquoise. Isla Mujeres. Tulum. Ciudad del Carmen.
Lui... aux yeux vertsbleuscouleursdela mer...oui...lui...
C,est si loin tout cela... etait- ce vrai?
Tulum - ruinas no mar - ultimo recorrido com Pablo ...
por Mexico maravilhosos antes de partir...
Rythmes de ma vie. C’est le non générique de mes fantômes. Rythme “quelque chose”, chacun. Et chacun d’eux, danse avec moi, comme je dansais un temps d’antan avec quelqu’un dans un quelconque pays. Des danses féeriques frénétiques qui m’ont coupé le souffle. Et malgré “à bout de souffle” , j’suis ici… devenue fantôme comme eux. Tant mieux car à présent, mon nom est tout simplement Rythme Anonymeinconnu..Fantastique ou phantastique?
Un rayon d’arc-en-ciel me touche. Baguette des fées.. Je deviens étincelle. Etoile. Clair de lune. Grain de sable blanc caressée par le soleil , celui que j’aime, au bord de la mer – laquelle? – les pieds nus dans l’eau : bleu turquoise. Isla Mujeres. Tulum. Ciudad del Carmen.
Lui... aux yeux vertsbleuscouleursdela mer...oui...lui...
C,est si loin tout cela... etait- ce vrai?
Tulum - ruinas no mar - ultimo recorrido com Pablo ...
por Mexico maravilhosos antes de partir...
sabato 6 maggio 2017
eu vi eu vi de novo...
...e o que viu?
vi guerras, estive na Coréia, no Vietnã, na Chechênia, nas praias da Normandia,
senti o cheiro dos excrementos vindo das tripas dos soldados com o ventre aberto,
vi prisões na China, no Brasil, pisei na urina nos seus corredores malcheirosos,
vi a Somália faminta, homens, mulheres, crianças só pele e osso apodrecendo ao sol,
vi corpos decapitados nas planícies africanas, nas savanas incendiadas,
vi párias se banhando nas águas do Ganges pestilento, enquanto
marajás fumavam charutos e bois e vacas santificadas defecavam,
vi tiros e pedradas na faixa de Gaza e fingidas conversas de paz que jamais será,
vi bombas em Dublin e nos Países Bascos, em Londres, em Tel Aviv, em toda parte,
vi dois milhões de mortos na Indochina, meio milhão de comunistas trucidados na
Indonésia, quinze milhões enterrados na Sibéria,
vi a eficiência do Zyrkon-B, dez mil mortos em cada 24 horas,
vi os massacres em Wounde Knee, My-Lai, Ludice, Attica e Carandiru,
vi camponeses, pergaminhos esturricados na seca perene, e mortos em Canudos,
vi mãos decepadas nos reinados das Mil e Umas Noites, mulheres escondendo o rosto como
no tempo de Saladim, sem esperança de amor e carinho e luz do sol,
vi corpos boiando no maior rio da Terra, ganância e descaso imperando,
vi homens, mulheres, crianças mutiladas por minas terrestres em Angola,
vi o assassinato de Sacco&Vanzetti, os Rosenbergs eletrocutados, Herzog enforcado,
vi balas encravadas em Kennedy, Luther King e Malcom X, John Lennon apagado,
vi disenteria, centenas de sem-tetos, corações triturados, almas ocas,
vi o desespero de multidões querendo alcançar as estrelas...
...e não há esperança?
se houver um julgamento final, a humanidade inteira será condenada?
e as crianças, as almas puras serão poupadas?
sonhei uma vez, a cidade estava inundada, todos fugiam, na minha frente um homem
estendia a mão trêmula, pedia ajuda, socorro:
era Deus?
Poema do Iosif - 2003
...e o que viu?
vi guerras, estive na Coréia, no Vietnã, na Chechênia, nas praias da Normandia,
senti o cheiro dos excrementos vindo das tripas dos soldados com o ventre aberto,
vi prisões na China, no Brasil, pisei na urina nos seus corredores malcheirosos,
vi a Somália faminta, homens, mulheres, crianças só pele e osso apodrecendo ao sol,
vi corpos decapitados nas planícies africanas, nas savanas incendiadas,
vi párias se banhando nas águas do Ganges pestilento, enquanto
marajás fumavam charutos e bois e vacas santificadas defecavam,
vi tiros e pedradas na faixa de Gaza e fingidas conversas de paz que jamais será,
vi bombas em Dublin e nos Países Bascos, em Londres, em Tel Aviv, em toda parte,
vi dois milhões de mortos na Indochina, meio milhão de comunistas trucidados na
Indonésia, quinze milhões enterrados na Sibéria,
vi a eficiência do Zyrkon-B, dez mil mortos em cada 24 horas,
vi os massacres em Wounde Knee, My-Lai, Ludice, Attica e Carandiru,
vi camponeses, pergaminhos esturricados na seca perene, e mortos em Canudos,
vi mãos decepadas nos reinados das Mil e Umas Noites, mulheres escondendo o rosto como
no tempo de Saladim, sem esperança de amor e carinho e luz do sol,
vi corpos boiando no maior rio da Terra, ganância e descaso imperando,
vi homens, mulheres, crianças mutiladas por minas terrestres em Angola,
vi o assassinato de Sacco&Vanzetti, os Rosenbergs eletrocutados, Herzog enforcado,
vi balas encravadas em Kennedy, Luther King e Malcom X, John Lennon apagado,
vi disenteria, centenas de sem-tetos, corações triturados, almas ocas,
vi o desespero de multidões querendo alcançar as estrelas...
...e não há esperança?
se houver um julgamento final, a humanidade inteira será condenada?
e as crianças, as almas puras serão poupadas?
sonhei uma vez, a cidade estava inundada, todos fugiam, na minha frente um homem
estendia a mão trêmula, pedia ajuda, socorro:
era Deus?
Poema do Iosif - 2003
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